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SÉRIE GOZO

 
2000






"Depois de tudo... passo um longo período descarrilando linhas. Amontôo uma porção destas linhas, socando-as e costurando-as até formar um cubo... preto. Coloquei este cubo numa mesa e amarrei um elástico do cubo até o teto. Marcelo (Guarnieri) viu e falou: 'nunca vi nada mais parecido com você'. Imediatamente fiz um outro cubo e interliguei com o fino elástico ao primeiro. Chamei esta peça de Auto-retrato no Espelho. Fiz um outro onde pude abrir e revelar o que havia dentro"um emaranhado de linhas, claro (risos), que explodem. E depois dessa brincadeira toda de contrair e explodir, contrair e explodir, numa variação de peças... dei o nome desta série de Gozo."
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Tramas do Ser: Arte de Silvia Velludo
por Daisy V. M. Peccinini

O feminino, um dos elementos marcantes da arte contemporânea, está imanente nos trabalhos de Silvia Velludo.

O avolumar dos filamentos que se entrecruzam, e enroscam-se em tensão de vibrante vitalidade orgânica e plástica, compõem tramas, resultantes dos processos de fiar ou desfiar, uma ação de manipular os fios compondo, decompondo e cortando, ou agregando. Estes trabalhos das mãos femininas que se perdem na memória da humanidade- desfiar, montar tramas, tecer, enrolar tem sido uma ação, sobretudo das mulheres na maioria das culturas, sempre aliada a fortes significados. No mundo grego, o fio da vida é produzido pelas três Parcas, que viviam no reino de Plutão. Senhoras da vida dos homens, cuja trama fiavam e desenvolviam, armavam seu destino, interrompendo-o simplesmente ao cortar o fio.

Silvia se entrega à criação, de forma obstinada; mexer com as fibras , desenrolar e enrolar fios tem um prazer hipnótico, alucinante, segundo a artista. As impulsões se sucedem ao manipular os materiais, numa fruição e automatismo psíquico e motor.

O desenvolvimento, do trabalho, desde o começo, assume o impulso feminino vital de gestação, a função feminina de dar à luz a vida formada. Trabalha correspondendo aos impulsos, articulados no diálogo intenso com material e com o movimento de mãos e idéias. Não é de se admirar que chame este grupo de trabalhos de Série do Gozo.. E nada mais prazeroso que o movimento táctil de seguir um fio condutor, percorrer os labirintos da imaginação, como Teseu caminhou pelos corredores intrincados do labirinto de Creta, safando-se do Minotauro, conhecendo a euforia da vitória sobre o desconhecido e a morte pelo fio, que Ariadne lhe dera.

O seu trabalho vai se constituindo de forma intuitiva, incansável quase febril, vai desfazendo fios e enrolando-os em tramas, faz costuras, cola, sobrepõe, corta e recorta. Atua como as Parcas: mistura e desenvolve seus trabalhos que crescem com força vital e plástica, sem deixar de lado a marca dos mistérios;.da gestação da idéia no nascedouro ao ponto final de cada trabalho. Com a autoridade das Parcas no mundo subterrâneo, a artista dá vida, forma e consistência no espaço exterior, ao que é gerado no seu subjetivo, mundo interior. Ao ganhar o espaço tridimensional da materialidade, seus trabalhos emergem com latência e calor da vida; vigor no movimento de expansão e que chega à eclosão, em alguns trabalhos, que explodem como galáxias. Outros, em tensão contrária, de contenção, como nas Caixas, símbolos do feminino, guardam o caráter subterrâneo próprio da natureza feminina e de sua sensibilidade em relação ao mundo.Revela-se nestas caixas entreabertas, como passagens ou limiares, um micro-universo de sugestões apenas descortinadas, pois se dão a ver em superfície, nada revelando de suas profundezas.

Existe um palpitar, de vida que está por todas as partes, nos cheios e nos vazios entrelaçados; na expansão e na compressão, na transparência e na ocultação dos materiais, nuances de uma alquimia de alma e de matéria transmutadas.

Abril de 2001